A proposta de vender uma travessa localizada nos Jardins, bairro nobre da capital paulista, pela quantia de R$ 16 milhões, tem gerado intensos debates sobre a privatização de espaços públicos e os rumos do urbanismo em São Paulo. A Prefeitura pretende transformar a travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, atualmente uma via pública, em área privada destinada à construção de um condomínio de altíssimo padrão, alterando o zoneamento da região. A medida, já aprovada em primeira votação na Câmara Municipal, ainda precisa passar por um segundo turno para ser efetivada.
A incorporadora responsável pelo projeto de condomínio de luxo já adquiriu e demoliu todas as casas da antiga vila que existia na região. A estratégia visa consolidar o terreno como espaço exclusivo para o novo empreendimento, considerado um dos mais sofisticados planejados para a Zona Oeste da cidade. A privatização da travessa nos Jardins, no entanto, só será possível com a aprovação do projeto de lei encaminhado pelo prefeito Ricardo Nunes, que reclassifica o uso do solo e viabiliza a venda direta do trecho.
Para a prefeitura, a travessa nos Jardins não exerce função de circulação urbana ampla, uma vez que não se conecta a outras vias principais. Por isso, argumenta-se que sua alienação não causaria impacto no trânsito local. A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento também emitiu parecer técnico favorável, considerando que a área isolada não atenderia a outras finalidades públicas sem essa alteração. A Procuradoria Geral do Município igualmente manifestou concordância com o processo de transformação da área.
A iniciativa, no entanto, não passou despercebida por moradores e representantes de associações de bairro. Célia Marcondes, vice-presidente da Sociedade de Amigos e Moradores do Cerqueira César, que abrange parte dos Jardins, expressou profunda preocupação com a venda da travessa nos Jardins. Para ela, a decisão atende exclusivamente ao interesse imobiliário, negligenciando o impacto social e ambiental que mais um condomínio verticalizado pode causar em uma região já saturada de construções.
Moradores apontam que a infraestrutura dos Jardins não acompanhou o ritmo acelerado de verticalização e que a travessa nos Jardins representa mais do que um simples pedaço de rua: trata-se de um símbolo da convivência local e da história do bairro. A remoção desse espaço da malha pública é vista como mais um capítulo de um processo contínuo de gentrificação que tem transformado a paisagem urbana da capital paulista. O temor é que a cidade se torne cada vez mais excludente, voltada a interesses econômicos em detrimento do bem comum.
A travessa nos Jardins já se encontra parcialmente fechada ao público desde 2023, quando a incorporadora conseguiu autorização para bloquear o acesso. Esse fato gerou indignação entre os moradores, que questionam a legalidade da restrição de circulação enquanto o projeto ainda tramita no Legislativo. A expectativa é que a votação final aconteça nas próximas semanas, e a decisão será decisiva para o futuro urbanístico da região.
O caso da travessa nos Jardins ilustra um movimento mais amplo de privatização de espaços urbanos em grandes metrópoles brasileiras. Em meio à valorização constante dos terrenos em bairros nobres, cresce a pressão por mudanças no zoneamento para permitir novos empreendimentos residenciais e comerciais. A venda de ruas públicas, embora rara, desperta o debate sobre o limite entre o interesse público e a iniciativa privada.
Se o projeto for aprovado em definitivo, a travessa nos Jardins se tornará oficialmente parte de um empreendimento fechado, restrito a poucos moradores de alto poder aquisitivo. A polêmica em torno da venda da travessa nos Jardins pode se tornar um marco nas discussões sobre planejamento urbano em São Paulo, revelando os dilemas entre desenvolvimento, memória coletiva e justiça social.
Autor: Lachesia Inagolor